domingo, 6 de novembro de 2011

O Príncipe que Guardava Ovelhas, de Luísa Dacosta e Jorge Pinheiro

Em 1971, pouco tempo após a sua publicação, o International Board on Books for Young People considerou esta obra um excepcional exemplo de literatura infantil de qualidade. O livro ressurgiu em 2002, em 4.ª edição, da ASA, mas com grafismo totalmente renovado, continuando a mostrar a sua capacidade de resistência ao tempo. A acção desenrola-se nesse espaço de fronteira entre cidade e campo que é a periferia. Aí, uma narradora de olhar sonhador e voz sensitiva, observa os discretos jogos de faz-de-conta de um rapazinho que guarda duas ovelhas num «retalho de campo» ainda «liberto de muros» (p.3). E, seguindo os seus gestos, imagina-o em busca de uma princesa escondida, por encanto, num dos animais. Pretexto para evocar, no leitor adulto, imagens da «quête de la belle», do mito de Tristão e Isolda (tão caro a esta Autora), e para recriar motivos e situações característicos do conto de fadas tradicional. Mas o texto e a elegância das ilustrações de Jorge Pinheiro traduzem também uma reivindicação do sonho como único horizonte possível de liberdade para o homem, além de retratarem a cidade como espaço desumanizado e de solidão.

O que importa contudo salientar é que esta espécie de fiozinho de história conquista a sua singularidade – como sempre acontece em Luísa Dacosta – no plano da escrita. A sua prosa torna-se inconfundível pelo que nela existe de poesia, ou seja, de trabalho sobre a linguagem (vejam-se as expressivas metáforas e o léxico refinado, pontuado de neologismos; escute-se a musicalidade da frase e apreciem-se o seu ritmo insinuante e os seus jogos de aliterações e assonâncias).

Candidata portuguesa ao Prémio Hans Christian Andersen em 2002, Luísa Dacosta é, antes de tudo, uma poeta da prosa, que nos legou livros tão relevantes como Teatrinho do Romão (1977), A Menina Coração de Pássaro (1978), História com Recadinho (1986), Sonhos na Palma da Mão (1990) e Lá Vai Uma… Lá Vão Duas… (1993), além de uma vasta e importante obra para adultos que se reparte pelo diário, pelo conto, pelo romance e pela poesia, com diversas incursões na escrita ensaística.

José António Gomes

NELA – Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da ESE do Porto